quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O CAPITÃO QUE LIBERTAVA JORNALISTAS

 JOSÉ BONETTI INTEGROU A SELEÇÃO BRASILEIRA DO TRI


O povo brasileiro estava com os ouvidos colado no rádio, no dia 29 de junho de 1958, dia da final da Copa do Mundo, na Suécia. Perto de onde fica o Hotel Nacional de Brasília, havia uma construção de madeira que alojava uma das unidades da Polícia do Exército, que dava segurança ao presidente Juscelino Kubitscheck. Pouco antes de o jogo começar, o JK pediu a José Bonetti, um dos coordenadores de sua segurança, para conseguir um rádio, pois, também, queria acompanhar a partida. Como ainda não havia palácios construídos na futura capital do país, no quartel improvisado mesmo, o presidente ouviu um tempo da decisão, vibrando com a narração do locutor Oduvaldo Cozzi.
 Naquele dia, nasceria uma relação de respeito mútuo entre JK e Bonetti, o que não seria interrompido nem nos mais duros períodos da ditadura militar (1964/1985), quando Juscelino fora chamado, pelo 1º Exército, a depor, no Rio de Janeiro. Sozinho, ao lado do advogado Sobral Pinto, JK aguardava a hora de falar aos militares. Ninguém se aproximava ou lhe dava confiança. Ele era considerado um inimigo do regime imposto pelos generais que apoiara, em um primeiro momento da Revoluçaõ de 31 de Março.
 Entre os jornalistas, a expectativa era a de que JK fosse maltratado, humilhado durante o interrogatório. Chegando ao quartel, de uma missão, Bonetti viu JK, e não teve dúvidas. Desafiou todos os olhares e recomendações e foi cumprimentá-lo. Naquele momento, colocava a sua cabeça a prêmio. Como castigo, fora incumbido de dar segurança ao governador eleito do Rio de Janeiro, Negão de Lima, que vivia o difícil período do “toma-não toma-posse”, até que o Exército se decidisse.
  Afinal, quem era aquele José Bonetti? Simplesmente, um 1º tenente. Além daquilo, só podia contar da sua amizade com o presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), João Havelange, que o colocara para coordenar 23 modalidades desportivas amadoras, por ter ligações com o vôlei e o basquete, no qual foram campeão carioca feminino, em 1964, treinando o time do Flamengo.
  Em 1969, quando já tinha cursado a Escola de Educação Física do Exército, Bonetti recebeu o convite de Antônio do Passos, diretor da CBD, para integrar a comissão técnica da Seleção Brasileira que disputaria as Eliminatórias da Copa do Mundo de 1970, no México. Para a imprensa, a comissão, repleta de militares, só teria uma missão: vigiar o técnico comunista João Saldanha. E, junto com os também capitães Cláudio Coutinho e Raul Carlesso, o antigo treinador José Bonetti entrou nessa e ficou amigo dos repórteres que cobriam o time canarinho, para a sorte de muitos deles, caso da localização e libertação do jornalista Marcos de Castro, do Jornal do Brasil.
  Marcos era muito religioso e não se envolvia em nada mais que não fosse o jornalismo. No entanto, quando a guerrilha urbana sequestrou o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Buck Elbrik, em 1969, ele, que nada tinha nada a ver com o caso, desapareceu. Sua família, apavorada, passou a pressionar o jornal para descobrir o que acontecera. Como nada se descobria, os repórteres Dácio de Almeida e Oldemário Touguinhó, lembraram-se do capitão Bonetti. "Eu já havia perdido muitos companheiros na guerrilha urbana e sabia o quanto aquilo doía na família. Como havia servido na Polícia do Exército e tinha bons contatos por lá, e também na polícia civil, orientei seu pessoal sobre os passos a seguir, pois não podia aparecer de peito aberto. Depois de muitos contatos, descobri que o Marcos de Castro estava preso no Batalhão de Carros de Combate, na Avenida Brasil (no Rio de Janeiro). Por meio de demarches realizadas pelo capitão Calomino, conseguimos tirá-lo de lá", conta Bonetti.
 A acusação que pesava contra Marcos de Castro era ter sudi: avalista no aluguel de um “aparelho” (nome que a repressão davam aos locais onde os "subversivos" conspiravam), para o futuro deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ). "Na verdade – prossegue Bonetti – o Marços, meramente, atendera ao pedido de um colega jornalista, para avalizá-lo, como já o fizera para dezenas de outros companheiros de profissão. O que pegou foi o fato de o Gabeira ter sido incluído na lista dos presos políticos trocados pela liberdade do embaixador norte-americano".
Bonetti evita falar muito sobre os "anos de chumbo", mas conta ter dado,também, uma “ajudinha” para o hoje membro da Academia Brasileira de Letras, Carlos Heitor Cony, na época, escrevendo na revista Manchete: "Como ele estava preso em uma unidade na qual eu servia, eu não o deixava ficar em situações que o levassem à depressão. Conversávamos muito e ficamos amigos, ao ponto de ele, depois, me oferecer todos os seus livros. Terminei seu fã, lendo-o, diariamente, depois que foi libertado".
 Bonetti revela mais um caso de ajuda sua ao pessoal da imprensa: o do desaparecimento do pai do jornalista Oldemário Touguinhó, do Jornal do Brasil, também no Rio. Disse que o encontrou em uma geladeira, do Instituto Médico Legal, após 40 dias de procura. Conseguiu esclarecer que o homem tivera um infarto, caminhando pelas ruas cariocas, e fora recolhido como indigente, por não ter nenhuma ligação com política. Hoje, José Bonetti, aposentado, vive em Brasília.

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